terça-feira, 24 de abril de 2012

O tempo como aliado


Ouvi do meu amado avô uma vez: "Filha, ainda que demore, nossos atos sempre batem à nossa porta. Colhemos o que plantamos." Nunca tirei isso da cabeça. Daí, quando vejo alguém plantar o mal, insistir no mesmo e, ainda assim, colher suas flores, costumo contar com o tempo, esse sábio aliado que tarda, mas não falha. Ele chega e eu penso: - É, flor semeada no mal pode até durar um pouquinho, mas sempre apodrece.

Raquel Barroso 

Sorte de estar livre

Se algo/alguém não for bom para você, não te inspirar alegrias e bons momentos, enegrecer tua paz, limitar tua existência, atrasar teus objetivos, não importa de onde vier, mande embora quantas vezes for preciso e saia desse condicionamento do passado. Em 90% dos casos (exceto diante de algumas fatalidades), alegria e tristeza dependem exclusivamente de você e do que decide manter em sua vida.
Penso que não adianta muito tentar antecipar as coisas, trazer para perto o que está longe por algum motivo. Não adianta querer soluções imediatas para uma vida inteira, nem esperar uma felicidade galopante que ainda não merecemos. Acho que sorte é, quase sempre, estar livre o bastante para receber o que nos pertence.
Deixa ir o que não é pra ti, sem sombra de remorso.


Raquel Barroso 

Suficientemente bom


Acordou bem. Nenhum vestígio das tensões de outrora, nada que remetesse ao velho aperto no peito. Tudo calmo, nenhum sobressalto. Coração quieto. Os dias agora possuíam aquela serenidade singular, quase que um abandono das expectativas frustrantes. Era bom o fato de não esperar muita coisa do que viria a seguir... Extremamente reconfortante estar limpo e suave, pouco preocupado com o que está fora do nosso alcance controlar. 

Agora já entendia a inutilidade daquelas dores cotidianas, parece até que a gente gosta de tê-las ali, beliscando e contorcendo nosso corpo, como se comprovassem que estamos vivos. Puro costume. Pois é, a gente se acostuma até com o que não faz bem. Acreditem. Tem tanto sofrimento que não devia estar ali, mas que a gente puxa pra si, cultiva e dá abrigo, só porque acreditamos que aquilo nos pertence. 

Maldita ansiedade! - pensou. A mesma que provocou tanta canseira, tantas unhas roídas, tanto desespero em vão... Sumira sem deixar vestígio nem endereço. Não que a quisesse de volta, mas era um pouco estranho sem ela... Vai entender! 

Não sabia ao certo como aquela mudança tão drástica havia se consolidado ali, mas causava imenso alívio. Acordar e ir dormir sem o coração atravancado, sem o peso do mundo nas costas. Agradeceu em silêncio, sem definir se aquilo era uma prece ou simplesmente constatação. Aquilo que viera do nada bem que podia ficar de vez. 

A gente passa boa parte de nossas vidas procurando algo que justifique nossos conflitos e dificuldades, tornando nossos dias mais pesados, escuros e desacreditados. A gente nem percebe que o problema maior está na maneira como tratamos a vida, como exigimos que desempenhe a função que devia ser nossa, como esperamos que ela separe o joio do trigo e nos coloque na direção certa, com os sentimentos certos, as oportunidades certas e as dores excluídas. 

Mas, dessa vez, já sabia, vida não faz milagre, a gente que faz. Nem era preciso muito, não havia magia, mistério ou segredo. Era o tempo, eram as cicatrizes que falavam que não cabiam outras ali, era uma oração muda, porém forte. Era vontade de ser feliz sem muitos detalhes, sem grandes esperas. Sem a pressão do acerto, pois já se acostumara à idéia de que os erros seriam maioria, mas não precisariam definir sua estrada.
Um dia de cada vez, uma possibilidade nova a cada manhã. O que se descortinava à sua frente vestia apenas simplicidade e fé. E isso parecia suficientemente bom.

Raquel Barroso

Indagações


Quando paramos de acreditar?
Aonde enterramos nossa esperança?
O que fizemos da última centelha de inocência que nos restava?
Aonde está nossa fé?
Por que só a utilizamos quando precisamos de uma “intervenção divina”?
Por que nosso coração está oco?
Por que temos receio de ser quem somos?
Por que amor e dor parecem andar juntos?
Por que conviver com os outros se faz de forma tão egoísta?
Por que o dinheiro ainda dita quanto valemos?
Por que nos olhamos como se fôssemos diferentes se, no fundo, nossa angústia é a mesma? Por que temos que ser fortes?
Por que fingimos não nos importar?
Por que é mais seguro ser ríspido do que dócil?
Por que mentir virou um hábito?
Por que chorar denota fraqueza? 
Por que amar de verdade indica fracasso? 
Por que é tão penoso compreender os demais e mais ainda fazer com que os demais nos compreendam? 
Por que perdoar é tão difícil? 
Por que assumir que erramos é quase impossível?
Por que trair virou mania?
Por que ajudar é perda de tempo? 
Por que a paz não nos faz companhia? 
Por que o desassossego invadiu nosso lar? 
Por que o amor tá fora de moda? 
Por que ser hostil é ser esperto? 
Por que egoísmo virou virtude? 
Por que auto-suficiência virou meta? 
Por que vaidade virou autoconfiança? 
Por que caridade virou autopromoção? 
Por que a vida virou um jogo? 
Por que nós não viramos GENTE?


Raquel Barroso

domingo, 15 de abril de 2012

Deixar ir é uma forma de poder

Acho que o maior bônus que vem com a maturidade é justamente saber o que a gente não quer. É sair de cima do muro. É escolher um lado, o nosso lado. É reciclar a própria vida, transformando sentimentos, idéias e atitudes em algo que realmente funcione a nosso favor. É quando a gente já não quer mais qualquer coisa, de qualquer jeito. É quando não há companhia melhor que a nossa própria, portanto, não a ofertamos a qualquer um. É quando somos solidários e atentos aos nossos limites, é quando respeitamos o que sentimos. É saber, principalmente, a hora de parar, de dar meia-volta, de abandonar o barco ou, quem sabe, nem entrar. Tem tanta coisa que a gente até gosta, mas não faz mais sentido prático em nossa existência. Tem tanta coisa que só ocupa espaço. Acumular coisas e pessoas erradas só atrapalha o percurso das certas até nós. Deixar ir é uma forma de poder, penso eu. Poder sobre a nossa própria vida e o que queremos dela. O que ela nos dará é, quase sempre, fruto de nossas escolhas.


Raquel Barroso

terça-feira, 10 de abril de 2012

Dessa vez


Não preciso escutar a mesma contradição pela milésima vez: você é tão boa, tão dedicada, tão bonita, tão eficiente, tão intensa... tão demais pra mim. Tá, sou tudo isso. E isso é demais. Veja bem, eu também sei mentir, fingir e jogar das maneiras mais doces e perversas, mas meu coração está rouco agora. Bate descompassado, tem urgência de vida, de sensações, de cumplicidade. Não quero dizer que o tempo já passou, que você passou e que a ilusão acabou, apesar de ser tudo um pouco verdade. Não, não... Aqui eu não vou disfarçar o turbilhão de emoções, não vou articular a voz, segurar o choro com a mão e o grito de "Porra! Dessa vez não, dessa vez era pra dar certo" não será abafado. Aqui eu posso deixar fluir toda a minha raiva de mim, de você, do cosmos. Aqui eu posso ser imatura o quanto quiser, e socialmente imperfeita também. Aqui eu posso sentir sem receios, exorcizar meus fantasmas, escancarar minhas dores. Aqui eu não preciso fingir que entendo, que aceito e que permanecerei intocável e tranquila quanto a sua resolução. Quer saber? Eu só queria amor... É, amor. Dar e receber, plantar e colher. Todas aquelas coisas bonitinhas e fora de moda. Não tenho medo disso, por incrível que pareça. Masoquismo ou não, apesar das rasteiras, eu ainda quero acreditar. Eu tenho muito dentro de mim. E eu já tentei, mas não consigo ser menos do que sou. A gente só não dá o melhor de si para quem não nos importa... E eu me importo. Sei que isso assusta às vezes, mas não deveria. Por que não se assustam com descaso, desatenção, deslealdade? Por que o adverso parece atrair tanto algumas pessoas? Não gostam do 'mais'? Não apreciam segurança? Se sentir amado e cuidado já não interessa por não ser considerado um desafio mental?
Não tenho as respostas, mas por vezes desejei sentir menos, demonstrar menos e ser menos. Porém, toda vez que me ponho a tentar colocar isso em prática, parte de mim grita nervosamente o desperdício que é se minimizar. E não, não vou entrar nessa. Não vou negligenciar o que diz meu coração... Vou engolir o que dói e cuidar das arestas que machucam. É, vai passar... Tudo sempre passa. E o problema é esse: estou cansada de construir e demolir fantasias, eu queria algo que fosse minimamente eterno em sua duração. Pelo menos uma vez, pelo menos dessa vez.

Raquel Barroso

"Gosto de pessoas doces, gosto de situações claras; e por tudo isso, ando cada vez mais só." (C.F.A)