terça-feira, 24 de abril de 2012

Suficientemente bom


Acordou bem. Nenhum vestígio das tensões de outrora, nada que remetesse ao velho aperto no peito. Tudo calmo, nenhum sobressalto. Coração quieto. Os dias agora possuíam aquela serenidade singular, quase que um abandono das expectativas frustrantes. Era bom o fato de não esperar muita coisa do que viria a seguir... Extremamente reconfortante estar limpo e suave, pouco preocupado com o que está fora do nosso alcance controlar. 

Agora já entendia a inutilidade daquelas dores cotidianas, parece até que a gente gosta de tê-las ali, beliscando e contorcendo nosso corpo, como se comprovassem que estamos vivos. Puro costume. Pois é, a gente se acostuma até com o que não faz bem. Acreditem. Tem tanto sofrimento que não devia estar ali, mas que a gente puxa pra si, cultiva e dá abrigo, só porque acreditamos que aquilo nos pertence. 

Maldita ansiedade! - pensou. A mesma que provocou tanta canseira, tantas unhas roídas, tanto desespero em vão... Sumira sem deixar vestígio nem endereço. Não que a quisesse de volta, mas era um pouco estranho sem ela... Vai entender! 

Não sabia ao certo como aquela mudança tão drástica havia se consolidado ali, mas causava imenso alívio. Acordar e ir dormir sem o coração atravancado, sem o peso do mundo nas costas. Agradeceu em silêncio, sem definir se aquilo era uma prece ou simplesmente constatação. Aquilo que viera do nada bem que podia ficar de vez. 

A gente passa boa parte de nossas vidas procurando algo que justifique nossos conflitos e dificuldades, tornando nossos dias mais pesados, escuros e desacreditados. A gente nem percebe que o problema maior está na maneira como tratamos a vida, como exigimos que desempenhe a função que devia ser nossa, como esperamos que ela separe o joio do trigo e nos coloque na direção certa, com os sentimentos certos, as oportunidades certas e as dores excluídas. 

Mas, dessa vez, já sabia, vida não faz milagre, a gente que faz. Nem era preciso muito, não havia magia, mistério ou segredo. Era o tempo, eram as cicatrizes que falavam que não cabiam outras ali, era uma oração muda, porém forte. Era vontade de ser feliz sem muitos detalhes, sem grandes esperas. Sem a pressão do acerto, pois já se acostumara à idéia de que os erros seriam maioria, mas não precisariam definir sua estrada.
Um dia de cada vez, uma possibilidade nova a cada manhã. O que se descortinava à sua frente vestia apenas simplicidade e fé. E isso parecia suficientemente bom.

Raquel Barroso

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