A conversa era demorada. Daquelas em que não se sabe se vai ou fica, com certo receio em dar uma desculpa qualquer. Aquele velho homem parara ali, lado a lado comigo, sem me dar possibilidade de fuga. Lista extensa de coisas a fazer, uma enxurrada de pensamentos desordenados e o desejo iminente de ficar só. Pouco sei se para resolver ou concluir algo, ou somente estar. Acho sempre mais seguro permanecer largada em minhas próprias convicções.
Mas, voltando, ali estava o senhor sorridente. Chegou não sei como e se prostrou ao meu lado, enquanto eu bebericava meu terceiro copo de cerveja e rezava para que fosse embora. Indiferente ao meu desespero, ele se dedicou a narrar causas pessoais, as dele e as alheias, alternando sempre entre um comentário e outro. Pedindo atenção, dizia ser importante, me solicitou enorme esforço de concentração.
Ele falava bonito, confesso, parecia determinado a modificar algo em mim, mas o que é a beleza senão um detalhe despercebido aos olhos de quem não quer ver? Eu não via. Em certo momento, parei o olhar acima das fotografias e cartas que ele me estendeu, não sem antes pensar sobre a carência característica da velhice, provavelmente com um exemplo exato à minha frente, destinando a qualquer estranho partes tão íntimas do que foi e do que se tornou.
Ele falava bonito, confesso, parecia determinado a modificar algo em mim, mas o que é a beleza senão um detalhe despercebido aos olhos de quem não quer ver? Eu não via. Em certo momento, parei o olhar acima das fotografias e cartas que ele me estendeu, não sem antes pensar sobre a carência característica da velhice, provavelmente com um exemplo exato à minha frente, destinando a qualquer estranho partes tão íntimas do que foi e do que se tornou.
As imagens se espalhavam pela pequena mesa e, inevitavelmente, causaram curiosidade. Memórias em preto e branco, cartas amareladas pelo tempo, sorrisos que destoavam de era em era. Ele muito falou sobre seus amores, seus rancores, a odisséia da vida de qualquer homem que habita essa terra, ambiente insólito para quem procura amar.
Avistei um vulto que se destacava ao longe, rente a um automóvel parado. Seria seu filho? Ele me pareceu adivinhar os pensamentos ao responder: 'Meu funcionário, moça. Encarregado de me resgatar de minha falta de bom senso.' E riu. Um riso metade triste metade resignado. Um riso de saudade. Daqueles em que a nostalgia escapa por entre os suspiros, daqueles em que, sorrateiramente, deixava passar, me permitia ver, que a solidão que eu tanto almejava era exatamente a que ele possuía.
Avistei um vulto que se destacava ao longe, rente a um automóvel parado. Seria seu filho? Ele me pareceu adivinhar os pensamentos ao responder: 'Meu funcionário, moça. Encarregado de me resgatar de minha falta de bom senso.' E riu. Um riso metade triste metade resignado. Um riso de saudade. Daqueles em que a nostalgia escapa por entre os suspiros, daqueles em que, sorrateiramente, deixava passar, me permitia ver, que a solidão que eu tanto almejava era exatamente a que ele possuía.
Pra lá de meia noite, já relutante, ele se despediu. Foi quando escutei: 'Não deixa-os ir sem que saibam do teu amor, do teu perdão, do teu remorso. Entrega o que te move e o que te contém. Não cala a voz do coração, grita! Não pára, age! Lembra-te: pouco sabemos dos nossos dias. Que a ninguém seja necessário conhecer a dor da perda para aprender a valorizar o privilégio de se ter.'
Fiquei sozinha ali, assimilando o peso daquelas palavras, digerindo a solidão a que me impunha. Desejando, pela primeira vez, gritar, agir e amar, intimamente torcendo para que não fosse tarde, religiosamente clamando por tempo.
Raquel Barroso
Raquel Barroso