segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Eu quero que você seja meu

Eu quero que você seja meu. Sim, meu. Todavia, sem os resquícios da posse. Meu por assim desejar ser, meu pelas escolhas que permeiam o caminho, meu por saber que não há lugar melhor para se estar, do jeito que está, da maneira que é. 
Eu quero que você seja meu para que, assim, felizmente, eu possa me dizer sua. Sua pela liberdade indizível de dormir em paz, de relaxar as ansiedades, de cessar as buscas. Sua para não ser de ninguém mais. Sua por direito, sua por prazer.
Eu quero que você seja meu para que seja possível, por fim, acreditar. Para que seja são, finalmente, se doar. Para que faça sentido, desta vez, se permitir.
Eu quero que você seja meu para que, juntos, possamos ser mais. Mais alegria, mais calmaria. Uma chama a mais. Alguma certeza, alguma esperança. Companhia no caminhar. A subtrair? Somente as lamentações.
Eu quero que você seja meu. Quero que honre a sorte que te sorri. Quero que a abrace, a segure, a preserve. Quero, então, sorrir também... Consentindo com os olhos, retribuindo com a entrega.

Raquel Barroso

domingo, 23 de setembro de 2012

Liberdade

A verdadeira liberdade, tenho quase certeza, consiste nesse abraço forte que damos em torno de nós mesmos. É uma combinação sublime: pairamos conscientes de nossa importância, de nossos limites, de nossos anseios e, por outro lado, é bem mais fácil abdicar do dispensável, das travas sociais, de gente que só nos atrasa, mas que mantemos ali em nome da educação. Que se dane a educação. Que possamos nos livrar dos venenos diários, dos fiscais da vida alheia, do oba-oba das relações efêmeras. Liberdade, creio eu, é quando a gente aprende a ignorar... E segue assim, ouvidos tapados pras reticências alheias. É absorver, tão somente, o que escolhemos; e perceber, aliviados, que nos é suficiente.

Raquel Barroso

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Quase lá


Cultivamos nosso desapego quase que à força, correndo sem olhar pra trás, linha reta para não cair. Vestígios rasgados pra não querer voltar, desprendimento pra seguir em frente. Aparentemente, fomos bem sucedidos. Nos pusemos a andar, confiantes sem temer distrações, até que cá estancamos. Bem no meio das impossibilidades um do outro. Dois estranhos compartilhando muito mais que experiências passadas. Que coisa, veja só, a gente se olhou... E se viu. 
Eu poderia ir ou te mandar embora, mas já que você chegou no momento - quase -  certo, vou te pedir que fique.
Mesmo que o futuro seja de incertezas, mesmo que haja, ou não, algo duradouro prescrito pra gente. 
Ainda que a gente se machuque com o passado do qual não nos libertamos, ainda que a sintonia de hoje não nos sirva como laço. 
Eu quero que você fique.  É  um pedido egoísta, eu sei. Possivelmente alguém ficaria sem chão se resultasse em fracasso...
Mas, por outro lado, você sabe como me fazer sorrir... E eu posso te fazer feliz também. Podemos tantas coisas juntos, se livres. 
É um risco.
Eu pulo, se você me der a mão.

Raquel Barroso

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Consentimento

Olha, eu tenho medo sim. Admito. Tua presença, tão breve, me consome. E a ausência, iminente, já dói.
O problema é que você tem de sobra tudo aquilo que me deixa à sombra de mim mesma. Frágil e sem raiz. Imersa na incerteza, no absurdo que é te querer. 
De fato, estava tudo sob controle quando você apareceu. Idéias em ordem, egoísmo em pauta, coração atravancado, impenetrável, seguro. A solidão imposta me bastava, me confortava, me mantinha a salvo. E aí você chegou. O baque. O aperto. O músculo, outrora inerte, agora reagia sem dó nem piedade, como que a desdenhar da minha arrogância, das minhas metas, do meu auto-conhecimento.
Dentre tantas possibilidades, dentre o simples e aconselhável, me veio o díspar: você. E o que tem pra depois? Agora que o impensável aconteceu, agora que a angústia domina, agora que a explicação some. Ficou o cheiro, o gosto e  as suas palavras que ainda ecoam naturais, mas que me parecem tão incertas. 

Você. O medo. A distância. O consentimento do destino, que ainda espero. 

Se estou perdida não sei. É cedo. Mas, quem sabe, se tivermos sorte, você me acha...
E eu me encontro. 

Raquel Barroso

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Apesar de

Sempre achei que esse amor era coisa de quem não tinha nada melhor para fazer. Eu só o sentia porque estava infeliz naquela vida pacata. Só por isso. Resolvi então agitar a vida pacata. E comecei a sair mais de casa, enxergar as pessoas ao meu redor, mais viagens, mais baladas. Amor é coisa de gente pacata e agora que eu tinha uma vida agitada, poderia, finalmente, mandar esse amor embora. Tchau, coisinha besta.

Nada feito. Só piorou. Acordava e ia dormir com ele engasgado aqui. Ficava inconformada. Mas aí concluí: amor é coisa de quem tem tempo pra pensar nele. Claro, mesmo com a semana agitada de trabalho, eu fico em casa o fim de semana todo, alegando cansaço, no silêncio das minhas coisas, claro que acabo pensando besteira. Aquele papo de mente desocupada casa do diabo, sabe? Amor do diabo. Fui procurar Deus.

Depois de dez vigílias e de ler todo o Evangelho, achei que ficaria tudo bem. Ficou nada. Eu só parei de sonhar que botava fogo no apartamento do ser amado ou que arrancava os olhos de todas as mulheres do mundo. Parei, talvez, de odiar o amor. Sim, fiz as pazes com Deus. Mas o amor, na verdade, ficou lá. Duro que nem pedra. Daqueles que não vão embora nem com reza brava.

Amor adolescente, pensei. Com certeza, se eu virar mulher, esse amor bobinho passa. Amor de menina boba. Tratei, então, de virar mulher. Quem sabe mudando o visual esse amor não se mudava de mim? Nada feito. Cabelo novo, roupas novas, sapatos novos, novas contas para pagar. E o mesmo coração idiota. O mesmo amor de sempre. Coisa chata, não?

Ah, quê que é isso! Amor deve passar com um novo amor, não? Olha lá aquele menino bonito te olhando, o outro que escreve bonito, o outro que te faz rir um monte, tem também aquele ali, com mão firme. Nada. Nenhum deles foi capaz de me salvar, de substituir minhas células cansadas em sentir sempre a mesma coisa. Nenhum foi capaz, nem por um segundo, de me levar para passear em outros tormentos. Ou outras alegrias. Qualquer outra coisa que fosse.

Aí veio a idéia brilhante. Será que se eu mergulhasse de cabeça na estupidez desse amor, não me curava? Será que se eu, por um minuto apenas, parasse de sentir tudo isso dentro da grandiosidade que eu inventei e enxergasse de perto como tudo é tosco e pequeno, eu não me curava? Só piorou. De frente para ele e suas constatações tão absurdas a respeito de tudo, só consigo sentir ainda mais amor. E quanto mais e maiores motivos para não sentir, ele e a vida me dão... Adivinhem? Sim, o amor cresce. Irresponsável, sem alimento, sem esperança e de uma burrice enorme. Ainda assim, forte e em crescimento.

Mas esse amor, ah, esse amor é coisa de quem não ama a própria vida. Se um dia, um dia eu pudesse realmente ser uma profissional. Ou até, nossa, se eu pudesse trabalhar no que gosto?! Esse amor iria embora, claro. Nada feito. Estou aqui graças a minha maior qualidade: a fé. Sim, isso só não funciona para o amor, mas para todo o resto, na minha vida, acreditar sempre funcionou. Tudo certo com a minha vida. Ou quase tudo certo. Ainda sinto esse amor ridículo. Essa coisa infernal que me vence todos os dias, todos os minutos. Quantos bons contatos me admiram e me elogiam. Ainda bem que alguém além de mim acredita em mim. É tanta coisa boa acontecendo, tanta gente boa se aproximando, que tá na hora de acordar. Enxergar. Receber.

Taí. Tá bom. O amor venceu. Você venceu. Venceu. Venceu. Venceu. E eu acabo de descobrir, simples assim, a única maneira de me livrar desse sentimento: aceitando, desistindo de tentar driblá-lo nesse jogo, sem a intenção de ganhar ou perder. Te amo mesmo, talvez para sempre. Mas nem por isso vou deixar de viver e ser feliz, imensamente feliz. Apesar desse amor. Apesar da certeza. Apesar de você.

Raquel Barroso (Releitura -- T.B)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

De meu, só algumas gotas do passado

O teu silêncio é a minha canção
Que ondula longíqua, incerta, errante
Brisa tênue, crepúsculo triste
Num choro que se mostra e se esconde
O que é meu do teu som?
Qual a cor do meu inútil pranto?
Descobri, sei que perdi. 
Sou aquilo que morreu!
Vou ao coração, às lembranças procurar
O eco que alguém dentro de mim escuta
A voz da alma que sempre chove... fim
Chuvas passadas que caíram... e fui eu!
Com saudades de mim, vi passar
A distância entre o que fui
E o que poderia ser
Narrei um deserto, mas sou o que descrevo
Nesta garoa que acaba de cair.


Raquel Barroso

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Sem sombra de dúvidas



O que adianta ter se não funciona? O que adianta estar com alguém que não entende suas buscas, não acolhe seus anseios, não te emociona, não te descompassa, não te vira a cabeça? Pra quê estar com alguém que não te inspira a ser uma pessoa melhor? Para não ficar só? Para não ser obrigado a olhar para si com sinceridade? Para não ter que digerir o próprio desconforto? Eu não! Que Deus me livre do comodismo do 'morno', do 'tanto faz', do 'mais ou menos'. Amor, quando vale a pena, nos faz caminhar, confiantes, para frente! Com sorriso no rosto... E sem sombra de dúvidas.


Raquel Barroso

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Mas?

(...) - Eu te amo. Sim, sim, eu amo. Mas não dá. É errado. É insano. Fora de cogitação. Eu quero, sei que quero, sei que relembro a cada minuto o gosto da tua saliva, o cheiro da tua pele, os contornos que conheci melhor do que ninguém. Eu penso no teu sorriso e sorrio também, porque só tua lembrança me balança o peito, me contrai os músculos, me amarra as vísceras. Eu preciso, indubitavelmente necessito, mas não posso. Não me é permitido. Não mereço, não mereces, não nos é de direito, não nesta vida. Tua ausência me rasga, me açoita, mas, ainda assim, existe o outro, os outros, o mundo lá fora, os julgamentos, a condenação certa, o futuro incerto. E eu tenho medo. Medo de ti, do passado, do presente, do que me espera, da dor que acompanha, da vida que segue. É tanto amor e tanto medo que não ando, mal caminho, apenas me arrasto... Carente de rumo e direção. Carente de consentimento. Carente de coragem. Carente de você. 
Cada dia mais distante, insistindo no que de mim te afasta. Abraçando minhas ilusões ao dizer: ''Felicidade, para quê?''


Raquel Barroso




segunda-feira, 21 de maio de 2012

Não mais necessário

Hoje tive um pesadelo. Eu finalmente chegava, estava ali, transpirando cansaço, à sua espera. A longa espera, aquela que achei que nunca findaria. Estava ali e você não vinha. Pior, você sequer me alertava do desencontro. Me deixava parada, sozinha e muda no desconforto da dor, onde nada se encaixa, onde nosso simples respirar denuncia fragilidade e todo o resto parece não nos pertencer. Permanecia ali por tempo indeterminado, um tanto anestesiada para pensar em pensar qualquer coisa. Um bocado ferida pra ousar qualquer movimento. Entrelaçara meus braços sob o peito para em vão segurar o que escapava, o muito de mim que se esvaía a cada grito que conseguira calar entre um soluço e outro. A dor existe, sabe. Existe e eu a conheço. Ela preenche cada pedaço, permeia as lembranças, habita nos sentidos. Ela tem seu cheiro, seu toque, seu timbre, os traços e expressões do seu rosto. Ela flui de você, meu caro.
Não sei dizer quanto tempo fiquei ali, na agonia insensata do 'quase', na iminência de te perder para sempre, de te deixar escapar pelas frestas que tanto lutei para fechar... No meu mundo moldado para te pertencer. Excruciante como uma parte que nos falta. Você e sua ausência, confirmando meus pontos fracos, falhos, atestando meu desespero.

Acordei aos gritos. A dor ali estacionada, forte como há tempos não me assaltava. Depois o alívio... A prece clara, alta. A certeza do aprendizado do muito que você me ensinou. O conforto de te saber distante, mas de me saber serena quanto a isso. De me saber amante, mas livre para seguir. De te saber meu professor, porém não mais necessário. 

Raquel Barroso

quinta-feira, 10 de maio de 2012

É um tal de mal me quer

Comumente me flagro fazendo perguntas já corriqueiras acerca de um assunto igualmente habitual: por que será que alguém decide não gostar de você simplesmente por não gostar?  É um mal querer gratuito, um desgosto sem razão. "Nosso santo não bateu", diz a maioria. "Fulaninha não deve prestar... Olha como se veste.", "Ouvi coisas terríveis a respeito de Sicrano...", as motivações são várias. É a sociedade do desafeto, do desamor, do despropósito. Passou até a ser aceitável e compreensível alguém resolver te alvejar moralmente somente pelo fato de não ir com sua cara ou de te responsabilizar afetivamente por ter levado um pé na bunda do namorado, pelo emprego que perdeu, pela relação que não vingou, porque tropeçou andando na rua, porque o horóscopo não foi bom, porque tá de tpm, dentre outros muitos motivos que nada justificam. 
É tanta gente promovendo a si, fazendo da própria fé armadura de combate, firmando ódio por desacertos infantis e rancores passados; é tanta ausência de humildade, que raramente se chega ao perdão e fatalmente se aproxima do caos.
Tem tanta coisa maior do que impulsionar desafetos, tem tanta vida por trás de quem vive pra desmerecer a vida do outro... Temos tanto a aprender quando nos propomos a desculpar, a relevar, a não tomar pra si. Tem tanto amor por vir quando a gente passa a abençoar até o que já não é bem vindo...

Raquel Barroso

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ao acordar


É que hoje eu acordei me achando... 
Aliás, me achando não, me sabendo.
Dona e detentora do meu espaço. 
Guia da minha própria cabeça. 
Bússola do meu próprio destino.
Acordei assim disposta a ser mais
Mais firme, mais forte, mais mulher
Acordei querendo cores,
promovendo amores,
mas sem esquecer de me amar.
Acordei sem saber que dormia há tempos,
e mal sabia das promessas guardadas pra mim
Nem sonhava no tanto que eu podia
No tanto arquitetado pro meu bem
Acordei e lembrei de soltar
as amarras que me detinham
As cordas que me pressionavam os pulsos
O peso que trazia no coração.
Acordei sem esperar ou planejar
E me peguei feliz como não lembrava de ter sido
E no caminho certo, que não lembrava de ter seguido
E assim plena, sem saber se era merecido.
Acordei e, pasme, apesar dos pesares
De todas as dores, das coisas que ainda não sei
Do mundo que às vezes nos engole...
Fosse a manhã chuvosa
ou ensolarada
Dei de achar
que merecia ser amada.


Raquel Barroso

sábado, 5 de maio de 2012

Perdão já é amor


"Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra."  - Escutei ontem uma variável desta frase que eu já gostava, mas que nem sempre consegui pôr em prática. Na verdade, a maioria de nós guarda tanta dor, tantas lástimas, tanta ira e tanta mágoa, que mal conseguimos distinguir luz de treva. 
De fato, não é fácil. Se nem sempre é assim tão simples amar quem nos ama, imagine então amar quem tudo faz para não merecer sequer um aceno.
O notável Lord Byron dizia que "a recordação da felicidade já não é felicidade, mas a recordação da dor ainda é dor". Penso que ele estava certo, como também penso que por isso mesmo faz-se urgente transformarmos nossos maus momentos, nossos desafetos, as injustiças que nos foram cometidas, as traições que nos aplacaram e o amor que nos foi negado em perdão. 
Não perdoar pra silenciar o ser, não perdoar para continuar a ser machucado, não perdoar com o objetivo único de obter o arrependimento do outro. Perdoar por ser o único caminho que nos leva ao nosso íntimo e nos conforta, independente da postura do mundo ou do autor da ofensa, pois nos abre as portas de uma realidade menos escura, que nos torna mais sensíveis e receptivos ao bom, ao bem, à Deus.
Mas aí você me diria que é possível o perdão, mas não o amor. Diria isso de forma convicta e certo da impossibilidade de tal sentimento. Acho que até eu pensaria e diria o mesmo.
Mas o que a gente não sabe, o que a gente sequer supõe, o que nossa alma ainda não consegue distinguir é que perdão, meus caros, perdão já é amor.

Raquel Barroso

Ps: And I'll keep trying to free my soul. Thanks, God.

terça-feira, 24 de abril de 2012

O tempo como aliado


Ouvi do meu amado avô uma vez: "Filha, ainda que demore, nossos atos sempre batem à nossa porta. Colhemos o que plantamos." Nunca tirei isso da cabeça. Daí, quando vejo alguém plantar o mal, insistir no mesmo e, ainda assim, colher suas flores, costumo contar com o tempo, esse sábio aliado que tarda, mas não falha. Ele chega e eu penso: - É, flor semeada no mal pode até durar um pouquinho, mas sempre apodrece.

Raquel Barroso 

Sorte de estar livre

Se algo/alguém não for bom para você, não te inspirar alegrias e bons momentos, enegrecer tua paz, limitar tua existência, atrasar teus objetivos, não importa de onde vier, mande embora quantas vezes for preciso e saia desse condicionamento do passado. Em 90% dos casos (exceto diante de algumas fatalidades), alegria e tristeza dependem exclusivamente de você e do que decide manter em sua vida.
Penso que não adianta muito tentar antecipar as coisas, trazer para perto o que está longe por algum motivo. Não adianta querer soluções imediatas para uma vida inteira, nem esperar uma felicidade galopante que ainda não merecemos. Acho que sorte é, quase sempre, estar livre o bastante para receber o que nos pertence.
Deixa ir o que não é pra ti, sem sombra de remorso.


Raquel Barroso 

Suficientemente bom


Acordou bem. Nenhum vestígio das tensões de outrora, nada que remetesse ao velho aperto no peito. Tudo calmo, nenhum sobressalto. Coração quieto. Os dias agora possuíam aquela serenidade singular, quase que um abandono das expectativas frustrantes. Era bom o fato de não esperar muita coisa do que viria a seguir... Extremamente reconfortante estar limpo e suave, pouco preocupado com o que está fora do nosso alcance controlar. 

Agora já entendia a inutilidade daquelas dores cotidianas, parece até que a gente gosta de tê-las ali, beliscando e contorcendo nosso corpo, como se comprovassem que estamos vivos. Puro costume. Pois é, a gente se acostuma até com o que não faz bem. Acreditem. Tem tanto sofrimento que não devia estar ali, mas que a gente puxa pra si, cultiva e dá abrigo, só porque acreditamos que aquilo nos pertence. 

Maldita ansiedade! - pensou. A mesma que provocou tanta canseira, tantas unhas roídas, tanto desespero em vão... Sumira sem deixar vestígio nem endereço. Não que a quisesse de volta, mas era um pouco estranho sem ela... Vai entender! 

Não sabia ao certo como aquela mudança tão drástica havia se consolidado ali, mas causava imenso alívio. Acordar e ir dormir sem o coração atravancado, sem o peso do mundo nas costas. Agradeceu em silêncio, sem definir se aquilo era uma prece ou simplesmente constatação. Aquilo que viera do nada bem que podia ficar de vez. 

A gente passa boa parte de nossas vidas procurando algo que justifique nossos conflitos e dificuldades, tornando nossos dias mais pesados, escuros e desacreditados. A gente nem percebe que o problema maior está na maneira como tratamos a vida, como exigimos que desempenhe a função que devia ser nossa, como esperamos que ela separe o joio do trigo e nos coloque na direção certa, com os sentimentos certos, as oportunidades certas e as dores excluídas. 

Mas, dessa vez, já sabia, vida não faz milagre, a gente que faz. Nem era preciso muito, não havia magia, mistério ou segredo. Era o tempo, eram as cicatrizes que falavam que não cabiam outras ali, era uma oração muda, porém forte. Era vontade de ser feliz sem muitos detalhes, sem grandes esperas. Sem a pressão do acerto, pois já se acostumara à idéia de que os erros seriam maioria, mas não precisariam definir sua estrada.
Um dia de cada vez, uma possibilidade nova a cada manhã. O que se descortinava à sua frente vestia apenas simplicidade e fé. E isso parecia suficientemente bom.

Raquel Barroso

Indagações


Quando paramos de acreditar?
Aonde enterramos nossa esperança?
O que fizemos da última centelha de inocência que nos restava?
Aonde está nossa fé?
Por que só a utilizamos quando precisamos de uma “intervenção divina”?
Por que nosso coração está oco?
Por que temos receio de ser quem somos?
Por que amor e dor parecem andar juntos?
Por que conviver com os outros se faz de forma tão egoísta?
Por que o dinheiro ainda dita quanto valemos?
Por que nos olhamos como se fôssemos diferentes se, no fundo, nossa angústia é a mesma? Por que temos que ser fortes?
Por que fingimos não nos importar?
Por que é mais seguro ser ríspido do que dócil?
Por que mentir virou um hábito?
Por que chorar denota fraqueza? 
Por que amar de verdade indica fracasso? 
Por que é tão penoso compreender os demais e mais ainda fazer com que os demais nos compreendam? 
Por que perdoar é tão difícil? 
Por que assumir que erramos é quase impossível?
Por que trair virou mania?
Por que ajudar é perda de tempo? 
Por que a paz não nos faz companhia? 
Por que o desassossego invadiu nosso lar? 
Por que o amor tá fora de moda? 
Por que ser hostil é ser esperto? 
Por que egoísmo virou virtude? 
Por que auto-suficiência virou meta? 
Por que vaidade virou autoconfiança? 
Por que caridade virou autopromoção? 
Por que a vida virou um jogo? 
Por que nós não viramos GENTE?


Raquel Barroso

domingo, 15 de abril de 2012

Deixar ir é uma forma de poder

Acho que o maior bônus que vem com a maturidade é justamente saber o que a gente não quer. É sair de cima do muro. É escolher um lado, o nosso lado. É reciclar a própria vida, transformando sentimentos, idéias e atitudes em algo que realmente funcione a nosso favor. É quando a gente já não quer mais qualquer coisa, de qualquer jeito. É quando não há companhia melhor que a nossa própria, portanto, não a ofertamos a qualquer um. É quando somos solidários e atentos aos nossos limites, é quando respeitamos o que sentimos. É saber, principalmente, a hora de parar, de dar meia-volta, de abandonar o barco ou, quem sabe, nem entrar. Tem tanta coisa que a gente até gosta, mas não faz mais sentido prático em nossa existência. Tem tanta coisa que só ocupa espaço. Acumular coisas e pessoas erradas só atrapalha o percurso das certas até nós. Deixar ir é uma forma de poder, penso eu. Poder sobre a nossa própria vida e o que queremos dela. O que ela nos dará é, quase sempre, fruto de nossas escolhas.


Raquel Barroso

terça-feira, 10 de abril de 2012

Dessa vez


Não preciso escutar a mesma contradição pela milésima vez: você é tão boa, tão dedicada, tão bonita, tão eficiente, tão intensa... tão demais pra mim. Tá, sou tudo isso. E isso é demais. Veja bem, eu também sei mentir, fingir e jogar das maneiras mais doces e perversas, mas meu coração está rouco agora. Bate descompassado, tem urgência de vida, de sensações, de cumplicidade. Não quero dizer que o tempo já passou, que você passou e que a ilusão acabou, apesar de ser tudo um pouco verdade. Não, não... Aqui eu não vou disfarçar o turbilhão de emoções, não vou articular a voz, segurar o choro com a mão e o grito de "Porra! Dessa vez não, dessa vez era pra dar certo" não será abafado. Aqui eu posso deixar fluir toda a minha raiva de mim, de você, do cosmos. Aqui eu posso ser imatura o quanto quiser, e socialmente imperfeita também. Aqui eu posso sentir sem receios, exorcizar meus fantasmas, escancarar minhas dores. Aqui eu não preciso fingir que entendo, que aceito e que permanecerei intocável e tranquila quanto a sua resolução. Quer saber? Eu só queria amor... É, amor. Dar e receber, plantar e colher. Todas aquelas coisas bonitinhas e fora de moda. Não tenho medo disso, por incrível que pareça. Masoquismo ou não, apesar das rasteiras, eu ainda quero acreditar. Eu tenho muito dentro de mim. E eu já tentei, mas não consigo ser menos do que sou. A gente só não dá o melhor de si para quem não nos importa... E eu me importo. Sei que isso assusta às vezes, mas não deveria. Por que não se assustam com descaso, desatenção, deslealdade? Por que o adverso parece atrair tanto algumas pessoas? Não gostam do 'mais'? Não apreciam segurança? Se sentir amado e cuidado já não interessa por não ser considerado um desafio mental?
Não tenho as respostas, mas por vezes desejei sentir menos, demonstrar menos e ser menos. Porém, toda vez que me ponho a tentar colocar isso em prática, parte de mim grita nervosamente o desperdício que é se minimizar. E não, não vou entrar nessa. Não vou negligenciar o que diz meu coração... Vou engolir o que dói e cuidar das arestas que machucam. É, vai passar... Tudo sempre passa. E o problema é esse: estou cansada de construir e demolir fantasias, eu queria algo que fosse minimamente eterno em sua duração. Pelo menos uma vez, pelo menos dessa vez.

Raquel Barroso

"Gosto de pessoas doces, gosto de situações claras; e por tudo isso, ando cada vez mais só." (C.F.A)



sexta-feira, 16 de março de 2012

O privilégio de se ter


A conversa era demorada. Daquelas em que não se sabe se vai ou fica, com certo receio em dar uma desculpa qualquer. Aquele velho homem parara ali, lado a lado comigo, sem me dar possibilidade de fuga. Lista extensa de coisas a fazer, uma enxurrada de pensamentos desordenados e o desejo iminente de ficar só. Pouco sei se para resolver ou concluir algo, ou somente estar. Acho sempre mais seguro permanecer largada em minhas próprias convicções.
Mas, voltando, ali estava o senhor sorridente. Chegou não sei como e se prostrou ao meu lado, enquanto eu bebericava meu terceiro copo de cerveja e rezava para que fosse embora. Indiferente ao meu desespero, ele se dedicou a narrar causas pessoais, as dele e as alheias, alternando sempre entre um comentário e outro. Pedindo atenção, dizia ser importante, me solicitou enorme esforço de concentração.
Ele falava bonito, confesso, parecia determinado a modificar algo em mim, mas o que é a beleza senão um detalhe despercebido aos olhos de quem não quer ver? Eu não via. Em certo momento, parei o olhar acima das fotografias e cartas que ele me estendeu, não sem antes pensar sobre a carência característica da velhice, provavelmente com um exemplo exato à minha frente, destinando a qualquer estranho partes tão íntimas do que foi e do que se tornou.
As imagens se espalhavam pela pequena mesa e, inevitavelmente, causaram curiosidade. Memórias em preto e branco, cartas amareladas pelo tempo, sorrisos que destoavam de era em era. Ele muito falou sobre seus amores, seus rancores, a odisséia da vida de qualquer homem que habita essa terra, ambiente insólito para quem procura amar.
Avistei um vulto que se destacava ao longe, rente a um automóvel parado. Seria seu filho? Ele me pareceu adivinhar os pensamentos ao responder: 'Meu funcionário, moça. Encarregado de me resgatar de minha falta de bom senso.' E riu. Um riso metade triste metade resignado. Um riso de saudade. Daqueles em que a nostalgia escapa por entre os suspiros, daqueles em que, sorrateiramente, deixava passar, me permitia ver, que a solidão que eu tanto almejava era exatamente a que ele possuía.
Pra lá de meia noite, já relutante, ele se despediu. Foi quando escutei: 'Não deixa-os ir sem que saibam do teu amor, do teu perdão, do teu remorso. Entrega o que te move e o que te contém. Não cala a voz do coração, grita! Não pára, age! Lembra-te: pouco sabemos dos nossos dias. Que a ninguém seja necessário conhecer a dor da perda para aprender a valorizar o privilégio de se ter.'
Fiquei sozinha ali, assimilando o peso daquelas palavras, digerindo a solidão a que me impunha. Desejando, pela primeira vez, gritar, agir e amar, intimamente torcendo para que não fosse tarde, religiosamente clamando por tempo.


Raquel Barroso

quinta-feira, 1 de março de 2012

F*ckin Intuition


Intuição é um negócio engraçado... A gente tenta ignorá-la e repete mentalmente: 'Nem vem, tá tudo lindo!', e desata a correr... E aí, do nada, estancamos surpresos. E lá vem a bendita... Toda cheia de razão, um risinho debochado no rosto, puxando nosso pezinho de volta à posição original: um passinho atrás, só pra garantir.


Raquel Barroso

Muita pressa, pouco tempo


Essa vida corre vestida de pressa... precipitando as escolhas, facilitando os equívocos. Pouco tempo. Insuficiente para descobrir quem somos. Entretanto, isso já não nos é vital... massificamo-nos. Nossos rostos, desejos, identidades. No fundo, iguais. Inertes; nenhuma busca, nenhuma esperança de que pudessemos ser diferentes. Já não somos tão complexos, especiais. Ainda desejamos as mesmas coisas, provocamos as mesmas guerras e motins, sustentamos as mesmas dúvidas e motivos que nada justificam. Ainda queremos superar uns aos outros e provar nossa superioridade. Individualistas que convivem, mas não se conhecem. Vítimas de um mal comum, solidão. O ego da humanidade anda nos topos, travestido no conceito de que amor-próprio é fundamental.
Eu só queria uma vida mais leve, lenta... um mundo menos competitivo e mais unificado, alegre, habitável, talvez com mais "cara" de Lar. Eu queria ter tempo para desfazer meus enganos e saciar essa fome de vida. Errar, acertar, aprender e, quem sabe, ainda conservar alguma inocência após tudo isso. Eu queria gostar tanto de você quanto de mim... e preocupar-me com tuas expressões tristes, em oposição a esta indiferença. Vida, eu quero mais tempo... pra ser mais gente. Me reconstrói. Eu queria ter amor. Simples, desmedido, salvador. 


Raquel Barroso

Nu


Que será isto senão meu inconformismo traduzido em lágrimas...
Meus olhos não as detêm
Não o podem
São supremas
Registram em meu semblante
O conflito que tento esquecer
Vagam soberanas, escorrem salgadas
Enxugo-as em segredo
Estas recolhem-se,
De tão amordaçadas no lenço já úmido
Guardo-as instintivamente
Minha fraqueza mais explícita
Eu, NU, observado pelo mundo
Visto-me num impulso,
Cubro-me de moldes
De olhares estou salvo,
Estes não me penetram,
Não podem tanto
Testemunhas caladas,
não podem ver
Só o lenço relata,
agora ressequido,
o que se passa
Não avistam minha desgraça
Estou NU,
mas ninguém sabe.


Raquel Barroso

Coração tem memória


Uma vez me disseram, na confusão de sensações que me invadiam, que tudo que vivemos intensamente permanece inabalável num local de fácil acesso, onde nos refugiamos quando tudo parece tristemente impregnado de realidade.
Voltar no tempo seria a solução da maioria de nossos problemas: fazer o que queríamos ter feito, amar a quem queríamos ter amado, falar tudo que calamos. Mas o tempo não volta, as chances não se repetem, pelo menos não da mesma forma, com a mesma magia, com a mesma confiança de outrora, com o mesmo aval do destino. 
As mudanças, tão drásticas, tão dolorosas, nos tornam adultos e cientes de que não podemos sonhar como antes...
O tempo passou, não conseguimos detê-lo, as transformações consolidaram-se. Olhamos em volta e percebemos que crescemos, que agora temos o peso da responsabilidade, a exigência do acerto, as oportunidades restritas, os amores contados, os sonhos perdidos. Experimentamos a dor, suportando-a como achamos que nunca conseguiríamos; perdemos o orgulho e a vaidade, na certeza de que “nunca dizer nunca” é o dito mais verdadeiro que existe. E, de repente, nos tornamos saudosos do que era tão profundo, tão real, tão alcançável então, mas nós simplesmente não o sabíamos assim.
É um sonho distante, amedrontado por possibilidades remotas, pelo medo do erro, pela covardia de quem achou que seria mais sábio se deixasse a vida correr sem correr atrás dela... E esse segredo tão íntimo, tão preso a fios do passado, tão descrente de tudo, tão esquecido e tão lembrado, evocado em momentos de fuga e nostalgia, nos deixa a solene resposta de que, ainda que tudo nessa vida passe, um tempo antigo, um tempo porvir, um tempo agora... O coração tem memória.


Raquel Barroso

Desassossego


Veja bem - não há nada aqui que não me denuncie. O coração aos pulos, o organismo indisposto, a ânsia aparente, a fraqueza constrangedora. Tudo à mostra. Claro e simples como se vê.
Há o passo, o labirinto, o descompasso. Há a certeza de um caminho ondulante, de um pensar e sentir solitário. Há a consciência de que é preciso mudar, agir... Mas há algo inominável que nos prende no mesmo lugar.
O conceito de efemeridade não foi dado a todos. A dádiva do esquecimento, do desprendimento, premiou alguns e esqueceu de muitos. É admirável (e teatral) o sorriso pós-guerra de quem ri ainda que com o interior aos prantos.
Não possuo a frieza de quem se basta, tampouco o escárnio das coisas do mundo. Eu gosto do mundo, ainda que às vezes também o despreze, mas meu desassossego não me deixa esquecer que faço parte dele, firme e presa ao chão, feito raiz.
Não, não acredito em onipotência. O amor-próprio, isoladamente, não enternece a alma, não abranda a chama, não cultiva a existência. Os outros não são apenas os outros, são necessários.
Há uma humanidade indisfarçável que me rege: o saber de não ser sozinha, a necessidade de ter e partilhar dos demais, insaciavelmente, com fome de amor e sede de reciprocidade.


Raquel Barroso

Já não sei


Queria ter inspiração
Mas tudo denuncia que...
Ando louca
Muito fora de mim
Jogando pela janela
As cores do meu quarto
O resto de luz deste lugar em penumbra


Toda essa consternação
Insinua que minha loucura
Será perdoada
Porque ela vem de quem perdeu o norte
Perdeu o porte
E talvez já nem suporte
O cheiro de mofo dos baús da coerência
Das coisas arrumadas
Dos fios aprumados onde se posa de equilibrista


Odeio agora a simetria do que é correto
Do que é justo, do que está posto
Faço curvas nas retas nas quais
Tracei meus rumos e prumos até então
Transpiro a fadiga das pessoas todas
As exaustas.
As que não se vêem, mas que, como eu,
sentem-se loucas.
Pessoas que rompem seus limites
E gritam
Porque há coisas que só o grito pode dizer.


(Proclamo aos quatro ventos
Que tudo que eu era antes,
já não me serve mais...)


Raquel Barroso

Frio


Sinto frio.
Não o frio que arrepia a pele ou enrijece o corpo
O frio que faz
Parece fazer só a mim
E não me permite escolher.


Esse frio me devora o peito,
Me proíbe questionamentos ou
O acalanto de qualquer explicação
Repousa suave, perene
Numa tortura
Que fere devagar e que parece ser
A única coisa que me pertence.


Ninguém o percebe,
Ninguém parece se importar
Meu frio me congela os passos,
Mas conserva o coração pulsante, latente.
Meu frio você não conhece,
Só sente que me dói ao te ver passar.


Frio meu
Devorador de mim
Consolador de mim
Insaciável em sua fome de mim.


Eu,
Que em meu tudo de frio,
Ainda procuro um calor que não é meu,
Nem pra mim
Calor que vem de ti.


Raquel Barroso

Recomeço


Fim de dia. Contrariando meses de contínuos lamentos, as coisas parecem aquietar-se diante de uma paz que surpreende e que há muito não era possível. Que mistérios cercam a nossa incapacidade de enxergar além de nossas dores? Como se explica a alegria repentina, a esperança que chega sem aviso, que se instala ali, integralmente, expulsando a negatividade a que é tão fácil acostumar-se e que nos faz perguntar: por que não foi possível nos curarmos antes?


Paro inconformada com a diferente sensação, sinto o coração descompassado, um tanto afoito de vida e sem saber por onde começar. Recomeços não são fáceis, não são fatos que podemos constatar como naturais… Há o medo do novo, a angústia que se alia ao pavor de desenvolver novas dores. Entretanto, parece inevitável aceitar o que está por vir, parece natural se deixar envolver, se permitir sonhar, desenvolver os sentidos, aguçar os instintos. Torna-se perfeitamente aceitável mergulhar em devaneios, imaginar situações, andar saltitante pela casa, numa harmonia estranha, porém absoluta.

Quanto tempo foi necessário perder? Quantas lágrimas, quantas noites de ansiedade mordaz, quantas perguntas sem respostas? Surge a constatação de que o sofrimento nada mais é que uma escolha errada que fazemos, uma resposta aos nossos passos em falso, às nossas apostas egoístas, à nossa teimosia, à nossa insistência em cultivar a infelicidade. O mundo aí está repleto de sentimentos inexplorados, histórias não contadas, corações a serem preenchidos. Há espaço para quem o procura, só não se pode esquecer que a busca por si próprio é determinante antes de procurar encontrar outro alguém. Passamos a entender que nossas cobranças são infundadas, nosso desespero é dispensável, nossa amargura envenena a nós mesmos e nossa dor não deve ir além do que já doeu.

Compreendemos que nossa paz interior existe no aconchego de nós mesmos, na experiência de quem já sofreu e fez sofrer, na humilde aceitação de que há sempre algo a melhorar. E, então, nos parece fácil entender que o amor veste-se de possibilidades, refaz nossos conceitos, nos faz surpresas e nos presenteia, quando finalmente o aceitamos do jeito que é, quando vier, e com toda a serenidade que for necessária.


Raquel Barroso

Meus novembros...


Eu sinto sua falta. Aliás, não sei bem se de você. Eu sinto falta de alguma coisa que se perdeu no meio do caminho sem que eu tivesse tido a oportunidade de escolha, sem que percebêssemos o desfecho inevitável das separações.
Acho que sinto falta do que poderia ter sido, do que deveria ter sido, do que, para meu próprio pesar, não foi. Eu sinto essa falta há muito tempo, tempo que me parece infinito. Tempo que foi desde sempre. Mas que não quero eterno. Eu sinto sua falta e sei que você não sente a minha. Sei e demorei pra aceitar. Sei e acho que nunca aceitarei completamente. Eu sei que precisei do teu colo, sei que ainda preciso, sei que não o tenho. Eu sei que isso me marcou, ainda que jurasse que não, ainda que vestisse um sorriso de ‘tudo bem’, ainda que quisesse acreditar numa reviravolta da vida. Ela nunca aconteceu. E eu sei. 
Eu sei que você não teve tempo de me amar, de me olhar, de me conhecer, de abraçar minhas dores e alegrias como suas. Coisas que pais e filhos dividem, coisas que você divide com os seus. Coisas que me faltaram. Eu sei que eu quis, eu quis muito te chamar de meu, quis muito ser sua. Quis e achei que podia, já que nasci por sua causa, já que estou aqui também por mérito seu. Eu quis um amigo, um amigo que de mim soubesse, um amigo que me segurasse, um amigo que me desse a mão. Eu queria o carinho, eu queria a preocupação, eu queria a proteção. Eu queria ser igual, queria ser linda aos seus olhos, queria que você me olhasse, que você me enxergasse, que você me buscasse. Eu queria que você me amasse. 
Eu sei que talvez não seja possível, sei que talvez seja esse o revés que a vida me trouxe, sei que talvez seja esse o aspecto que eu tenha de encarar para crescer. Eu sei de tudo isso, mas, numa hora dessas em que a dor e a ausência tomam conta, eu só sei que eu queria um Pai.

Raquel Barroso

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Como tudo (re)começou

Escrevo há algum tempo... Creio que desde o primeiro instante em que passei a me situar no mundo. A urgência foi imediata. Expor, gritar, me inserir lá, naquele (outrora) pedaço de papel. Fui salva inúmeras vezes por essa terapia muda, jogando nela a euforia e a dor e, depois de um tempo, vendo-as registradas como parte de algo que não posso renunciar: a mim.
Tenho certo pudor de me ver assim exposta, quase que em totalidade, para quem quiser ver... A sensação de nudez é iminente. Mas cá estou. Vim num impulso. Depois de centenas de escritos perdidos em papéis só meus, depois de um anterior e abandonado blog que nunca divulguei. Vim sem razão. Mais para me ler do que ser lida.
A pequena frase em inglês que dá nome ao blog, a quem interessar saber, não parou aqui por 'boniteza'. Ela me reflete. Me aconteceu há alguns anos, enquanto assistia a um genial filme de Sofia Coppola, intitulado Lost in Translation (Encontros e Desencontros - título em português). Era a chamada do mesmo, e eu me vi ali. Acho que é isso... Everybody wants to be found. Sim, queremos. A gente teima em tentar se conhecer, mas, no fundo, no fundo, o que todo mundo procura é o silencioso consentimento do outro que, sem a gente precisar pedir, nos diz: eu entendo.



Raquel Barroso